Direção: Lars Von Trier
Roteiro: Lars Von Trier
''Manderlay'' é o segundo capítulo, seguido de ''Dogville'', de uma trilogia assinada por Lars von Trier focando a vida nos Estados Unidos. Dessa vez, a história fala da escravidão americana no sul do país, nos anos de 1930.
Vi esse filme
após ter visto O nascimento de uma nação e
a seqüência não poderia ter sido melhor.
Não só pela
coincidência temporal e histórica, mas pela perspectiva de abordagem. Se no
clássico de Griffith temos uma premissa racista, que enxerga a abolição da
escravatura como um problema social, devido o comportamento e organização dos
negros; no filme de Lars von Trier a perspectiva já é diferente. O diretor
dinamarquês traz uma representação histórica, que de fato reconhece a
dificuldade dos negros de se adaptarem à nova vida – a internalização de
séculos de opressão e exlcusão pode gerar acomodação e violência entre os
próprios negros.
No entanto,
há um pequeno detalhe na interpretação dessa situação. Griffith diz: tá vendo,
os negros são preguiçosos, violentos, não sabem produzir, não sabem se
organizar, não trabalham direito – e portanto merecem pertencer a uma
sub-classe social, submissa ao branco. Já, em Manderley o que se pode deduzir é: sim, os negros recém-libertos possuíam limitações, mas isso não se dava por conta de sua
origem, da cor de sua pele, mas resultado de séculos de escravismo.
A moral da
história é: não dá pra passar séculos escravizando um povo e do dia pra noite
libertá-los e deixar que eles se virem sozinhos.
Pois foi isso
que os Estados Unidos fizeram e, claro, o Brasil também.
Pelo que eu
saiba nenhum senhor de engenho foi preso. Pelo contrário, hoje os seus
tataranetos são donos de latifúndios e belíssimas fazendas e não raro se elegem
prefeitos em seus pequenos municípios e são bastante respeitados. Já os
tataranetos dos escravos, não raro, são peões dessas mesmas fazendas,
trabalhando muito e ganhando pouco, muitas vezes em condições análogas ao de
escravos.
Vale lembrar
que os negros libertos não foram devidamente indenizados, não tiveram acesso a
moradia, não foram matriculados em escolas e universidades e nem foram
capacitados para exercer profissões bem remuneradas.
Certamente
isso justifica o fato de que 2/3 das favelas sejam ocupadas por negros; 72,6%de negros e pardos ocupam as camadas mais pobres da sociedade; antes da
implementação das cotas, menos de 6% dos universitários (em federais)
eram negros, e quanto maior o status do curso (Medicina, Direito, Engenharia),
era ainda menor o número de negros cursando; e o desemprego e baixossalários afetarem mais os negros e pardos.
Mas, segundo
Ali Kamel e Griffith, não somos racistas. São os negros que são burros,
preguiçosos e incompetentes, por isso não conseguem progredir na vida, mesmo
diante de uma sociedade tão justa e que oferece as mesmas oportunidades para
todos, sem falar na herança escravista que foi rapidamente superada no mesmo
dia em que foi assinada a abolição da escravatura. Após a canetada da Lei
Áurea, deixamos de ser racistas e não somos até hoje. #sqn
E sobre o
filme... é muito bom. Já não tem a mesma áurea de originalidade que envolveu Dogville, mas possui o mesmo preciosismo
dessa obra.
E que final!!!!
Minha nota: 8,7
IMDB: 7,3
ePipoca: 9,6
Sugestão: Faça a coisa certa
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Olá AZ, Boa Tarde!!
ResponderExcluirOXALÁ TE POUPE!!!! Como isso ficou extenso e maçante. Mas o filme é bom mesmo.
Esse filme ainda vai me capturar muitos momentos de matutação.
Muitas vezes comprei livros que fui ler tempos depois, baixei filmes que ficam a espera do momento certo para serem vistos, assim foi com Manderlay, mesmo sabendo, de cara, que o filme era bom. O diretor é um cara que incomoda, assim como Nietzsche, é um soco no estomago, para muitos é indigesto, às vezes até concordo com isso, entretanto sou muito fã. Ele é prismático e sabe que é. No filme ele dá mostras disso quando o velho Wilhelm fala a Grace que ela havia lido o “livro da senhora” com a lente errada. Então, me pergunto, com quantas lentes é possível ler Manderlay? Se num viés o sistema escravagista é a pedra de toque para retratar a condição do negro, noutro pode indicar que ele é umas das pontas de opressão e que estamos imersos numa escravidão muito mais aterradora. Ainda em outro Manderlay é um micro-cosmo de pano de fundo para demonstrar que as relações humanas estão muito mais embaralhadas do que elas aparentemente apresentam. Porém, quanto a possibilidade desse desenredo, penso que ele foi mais pessimista ou lúcido? que Quentin Tarantino em Django, ou quem sabe Tarantino tenha sido mais romântico.
Dizer de Lars Von Trier é dizer que genialidade e loucura andam de mãos dadas, às vezes fica difícil saber qual a mão que mais dirige, ele desestabiliza moral e conceitos pré-fabricados, penso até que, em alguns momentos, ele assusta, e lá no fundo fica a dúvida será que não somos nós que estamos afinal sendo um número e correspondendo a um perfil que nos foi atribuído sem que tenhamos conhecimento? Qual é o “livro da senhora” que seguimos sem saber? Quem são as Graces que se acredita em poder mudar o outro? Enfim, de que se alimenta a liberdade?
Pronto, parei .
Um abraço, e de novo parabéns pelo blog tá muito legal
Oi Soli,
ExcluirTenho que admitir que toda vez que posto um filme torço por um comentário seu. Suas análises (que não são maçantes e têm a extensão precisa) são um espetáculo à parte. Tenho certeza que qualquer leitor, inclusive eu, se torna um espectador melhor após ler seus comentários. E não apenas um espectador, pois você vai além da parte meramente técnica (tal como os grandes cineastas).
"Qual é o 'livro da senhora' que seguimos sem saber?". Vou dormir com essa.
Eu que te parabenizo e agradeço, Soli. O blog fica mais rico sempre que você comenta.
grande abraço
que 0tARI0 PUXASAC0
ExcluirOlá Az
ResponderExcluirTo quase boba aqui, obrigado pelo carinho e por permitir partilhar do espaço. Escrever é um exercício muito legal, parabéns pela atenção que dedica àqueles que visitam o blog, parabéns pela leveza, com qual tão bem apresenta os filmes que indica.
Obrigado e um até logo, bora bora que hoje é dia de protestar a favor do protesto. Um abraço
Acho esse filme uma obra-prima!!! Lars Von Trier pega o preconceito e mistura com sua análise psíquica sobre opiniões e pensamentos humanos. E dá um soco na cara dos States!!!
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