Direção: Eduardo Coutinho
Roteiro: Eduardo Coutinho
O
dia-a-dia dos moradores do morro de Santa Marta, zona sul do Rio de Janeiro.
“Houve porém um incidente durante
as filmagens, expressivo do era a “calmaria” e o nível de violência capaz de se
manifestar ao menor contratempo. A maleta com o equipamento de som foi roubada,
e a associação de moradores avisou ao tráfico. Quando a equipe voltou ao morro
no dia seguinte, um adolescente armado lhe disse: “A gente pode ter que matar,
mas vocês terão o material em menos de 24 horas.” Foram 24 horas exatas. Pelo
que foi apurado, o roubo fora cometido por dois adolescentes, e eles apanharam
a noite toda. Talvez um deles tenha levado um tiro na mão”.
“Se Santa Marta é ou não o primeiro documentário a registrar o
cotidiano dos moradores de uma favela, essa é uma questão secundária. Podemos
ao menos constatar que esse filme recoloca de vez o universo da favela como
questão a ser pensada pelo documentário brasileiro. A constatação pode parecer
estranha, hoje, quando imagens das favelas estão fortemente presentes em
inúmeros documentários (...). Mas aquele era o contexto do documentário brasileiro
na época. A favela aparecia na mídia, mas na maior parte das vezes de forma
negativa.”
“A sequencia em que acompanhamos
a conversa da equipe com vários adolescentes é de uma tristeza sem par, tamanho
o grau de consciência em relação às suas expectativas de vida e de trabalho. Há
um mesmo tipo de formulação gramatical – “Eu gostaria de ser”, “Eu pensava em
ser”, “Eu queria ser” – e uma mesma constatação: “O que eu quero ser na vida eu
sei que nunca vou ser.” Alguns desejos são aos nossos olhos bastante simples:
marinheira, professora, trabalhar com computador. Mesmo assim a impossibilidade
é a mesma daquele que quer ser advogado. A reação mais comum é de aceitação: ‘Vou
tentar ser dentro da norma uma coisa que eu conseguir, se eu for ali e arrumar
um negócio de gari, o que eu posso fazer? Vou ter que ser aquilo.’”
“Entre esses garotos está o
futuro traficante Marcinho VP, mas resistente ao “roteiro” preparado para ele.
Reclama da inexistência de universidades para pobres e diz que trabalho para
ele é difícil,
... porque o
trabalho que eles querem dar pra gente é um trabalho que a gente não quer. Eles
querem que a gente continue sendo gari, continue sendo o que a gente não é. A
gente não quer ser isso. Eu, por exemplo, queria ser desenhista profissional,
[mas] posso não conseguir, se eu não conseguir, é aquele lance, sou pobre, não
vou ligar tanto.
Marcinho VP entrou para o tráfico
um pouco depois desse documentário; foi preso em 2000, condenado a 27 anos de
prisão e assassinado em sua cela, no presídio de segurança máxima de Bangu-3,
no Rio de Janeiro, no final de julho de 2003.”
“Qualquer
reportagem televisiva repete a relação de subordinação da imagem à narração em
off; os entrevistados tornam-se facilmente “tipos” e, na maior parte dos casos,
são editados de modo a provar a veracidade do que o repórter está dizendo.”
“Nos
filmes de Coutinho, os moradores da favela não estão condenados a nada.
Encontram-se evidentemente inseridos em um contexto histórico, sofrem de males
comuns, possuem um perfil sociológico, mas de maneira nenhuma se reduzem a ele.
(...) As pessoas não são exibidas como exemplos de nada. Não são tipos
psicossociais – ‘o morador da favela’, ‘o catador de lixo’, ‘o crente’, ‘o
classe média’, ‘o operárioa’ -, não fazem parte de uma estatística, não justificam
nem provam uma ideia central, não são vistas como parte de um todo.”
Trechos
do livro O Documentário de Eduardo
Coutinho – televisão, cinema e vídeo, de Consuelo Lins; editor, Jorge
Zahar.
Minha nota: 8,1
IMDB: 7,8
ePipoca: -
Sugestão: Boca de Lixo
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